As noites azuis no hemisfério norte ocorrem logo após o solstício de verão, “em que os crepúsculos se tornam mais longos e azuis”. Nesse cenário de pura nostalgia, Joan Didion descreve brilhantemente sobre a melancolia em Blue Nights. Ela pontua: “Você passa por uma janela, caminha até o Central Park e vê-se nadando no azul: a luminosidade é de fato azul e, ao longo do curso de mais ou menos uma hora, essa cor se aprofunda, torna-se mais intenso, ao mesmo tempo que se empalidece e escurece (…).”
Blue Nights, da escritora norte-americana, foi lançado em 2011 após cinco anos da morte de sua única filha, Quintana. E após a perda de seu marido.
Quintana era jovem, casada recentemente e tinha a vida pela frente. A filha de Didion morreu em 2005 e só em 2010 a escritora conseguiu escrever sobre o luto.
Em muitas partes do livro, Didion demonstra ser “durona”, que aguenta o baque ao remexer nas memórias de Quintana. Mas ao longo da leitura, percebe-se que faz parte da cura a retomada dos momentos vividos juntos, desde a infância até a vida adulta. E Joan Didion quer ser curada.
É visível em cada página o pedido de socorro de Didion. Ela, já na faixa dos setenta e cinco anos, frágil porque a velhice se aproxima sorrateiramente, deseja reorganizar as perdas que se transformaram em lembranças longínquas.
“O tempo passa. A memória se desbota, a memória se ajusta, a memória se conforma com o que acreditamos recordar”, escreve.
No seu caso, a memória torna-se elemento central do livro, uma personagem que vai e volta no tempo. A escritora recorre à narrativa em primeira pessoa: não poderia ser diferente. Tudo o que narra é muito pessoal, não há nada de imparcial ali.
“Que maior sofrimento pode haver para os mortais do que ver seus filhos mortos? Eurípedes disse isso. Quando falamos de mortalidade estamos falando de nossos filhos. Eu disse isso”, pontua.
A objetividade com que escreve em primeira pessoa vem da carreira de Joan Didion como jornalista prestigiada nos EUA. Ela usa essa lente sobre a realidade para reafirmar suas dores de forma muito pontual.
“Mas do que estamos falando quando falamos de nossos filhos? Estamos falando do que significou para nós os termos? Do que significou para nós não mais os termos? Do que significou deixá-los partir? Estamos falando do enigma de jurar a nós mesmos proteger o que é impossível proteger? De todo o mistério que é ser um progenitor?”
É impossível proteger a memória. E o luto revivido torna-se carne viva ao reencontrar a melancolia como processo inevitável de cura.
“Nas noites azuis temos a impressão de que o fim do dia jamais chegará.”
P.S: Blue Nights foi lançado no Brasil pela Harper Collins em 2018. Com tradução de Ana Carolina Mesquita.
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Fernanda.
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