A obrigação de ser genial, de Betina González
A escrita ainda é um terreno a ser conquistado pelas mulheres
“Dos doze anos até hoje, não deixo de conhecer pessoas que tentam ‘me pôr no meu lugar’. A cena se repete várias vezes, e toda escritora devia estar preparada para ela, pois pertence a uma luta muito antiga. É inacreditável, mas toda geração tem que recontá-la.”
A escritora argentina Betina González lançou um manifesto contemporâneo sobre a escrita das mulheres. Lemos as páginas de A obrigação de ser genial como líamos Um teto todo seu de Virginia Woolf.
Na passagem para o século XX, Woolf assinalava a importância de uma renda própria e um quarto individual para que as mulheres pudessem se dedicar à escrita. Sem um mínimo de autonomia, não haveria literatura para o gênero feminino. E agora que conquistamos tudo isso?
No livro publicado recentemente no Brasil, Betina González traz novamente esta fábula da emancipação das mulheres para dizer que nada disso é suficiente se não obtivermos o direito à escrita irrestrita nos espaços da sociedade. Segundo González, mesmo ocupando espaços, ainda sim temos que provar que somos geniais. E a genialidade nada tem a ver com literatura.
Essa misoginia cansativa faz das mulheres escritoras reféns de um “julgo superior”. Um julgamento que retira a espontaneidade que a escrita exige. Afirma González:
“Para uma mulher, escrever é se apropriar desse sujeito, e essa apropriação tem um alto custo. É um deslocamento extremo. Uma transgressão, uma espécie de crossdressing, o cúmulo do ‘quem você pensa que é?’. Não estou dizendo nada de novo. De Virginia Woolf até hoje, nós mulheres não paramos de apontar e pensar sobre essa questão.”
Não basta ter um teto só seu, não basta ter um projeto de escrita, não basta escrever. As mulheres têm de provarem o impossível para garantir um mínimo de visibilidade com seu trabalho. Algo que não acontece com os homens.
“O gênio (não o talento: talento não basta) é a única resposta aceitável para ‘quem você pensa que é?’; a única permissão, a única desculpa possível ao ato subversivo da mulher que escreve. Não basta ser boa: é preciso ser genial”, escreve Betina.
A autora argentina mostra o esgotamento em subir essa escalada frente à uma sociedade que está o tempo todo questionando o nosso valor. Para ela, “a escrita será sempre um modo de resistência que terá de ser sustentado diante de todos os embates desse mundo […].”
O livro de Betina González é essencial porque acompanhamos a luta pelo direito à literatura. E ela, em sua visão feminista, reafirma que existe sim uma “escrita de mulheres” que deve ser assimilada e creditada. Não há como escapar do gênero a que se pertence.
Enquanto o mundo oferece-nos o barulho das grandes novidades, Betina González nos propõe o silêncio como garantia de continuidade.
“O silêncio nunca foi tão revolucionário”, escreve.
P.S: A obrigação de ser genial foi publicado em 2024 pela Bazar do Tempo com tradução de Silvia Massimini Felix.
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